“Grandes conquistas, muitas vezes, são consequência de aceitarmos novos desafios”
Construir uma carreira de sucesso, que alie realização pessoal e ascensão profissional, tem lá os seus desafios, especialmente para as mulheres. Para quem decide percorrer o caminho em busca de oportunidades profissionais longe do país onde nasceu, estes desafios são ainda maiores.
Desafiadores, mas não impossíveis. Pelo menos não para a gaúcha Franca Stedile Angeli, 50 anos, nascida em Caxias do Sul, que hoje ocupa um cargo diretora sênior no Global Clinical Development da farmacêutica Pfizer.
“Que bom que a vida não é um mar de rosas”, afirma ela, que acredita que grandes conquistas muitas vezes são justamente uma consequência de se aceitar novos desafios.
Neta de Francisco Stedile, fundador das indústrias Agrale e Fras-le, e nascida no ambiente de uma empresa familiar, Franca decidiu cursar Administração de Empresas, com ênfase em Finanças, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Começou a trabalhar como bancária e imaginava construir sua carreira como administradora financeira, seguindo os passos do pai e mentor, José Angeli.
Mas foi após a perda da mãe, Dolaimes Stedile Angeli, que a trajetória de Franca tomou outro rumo. Em busca de novas terapias para tratar o câncer em estado avançado, Dolaime iniciou um tratamento que na época estava em fase experimental.
O tratamento permitiu que a família convivesse com Dolaimes por quase dois anos, mas não foi suficiente para determinar a cura da sua doença. “A trajetória dela teve um imenso impacto no rumo da minha. Cursei Medicina e iniciei uma nova carreira voltada ao desenvolvimento de novas terapias.
Meu objetivo era mudar o curso de doenças que impactam a trajetória de vida de outros pacientes”, relembra Franca. Depois da graduação em Medicina pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) veio o Doutorado pela PUC-RS e o Pós-doutorado pela Universidade do Texas- Texas Heart Institute em Houston, Texas.
Franca mudou-se para os Estados Unidos em 2004 e, antes de assumir a atual posição na Pfizer, trabalhou em pesquisa em três grandes universidades americanas e em pequenas e médias empresas farmacêuticas, incluindo duas startups, das quais participou como cofundadora.
Irmã de Fúlvia Stedile Angeli Gazola, que é outra grande liderança feminina caxiense, Franca aceitou conceder esta entrevista para o site Letteris e contar um pouco mais de sua experiência e de sua carreira de sucesso nos Estados Unidos, que ela compartilha com o marido e o filho, Bruce e Daniel, em Haverford, Pensilvânia.
Letteris – O que a motivou a deixar Caxias do Sul e o Brasil?
Franca – No início, a busca por oportunidades de desenvolvimento profissional e pessoal através de um pós-doutorado no Texas Heart Instituto, na Universidade do Texas, em Houston. E dezessete anos se passaram…
Letteris – Pode nos contar como essa escolha e esses 17 anos moldaram sua visão do mundo e dos negócios?
Franca – Acredito que nossas perspectivas são reflexo das experiências pessoais que coletamos ao longo das nossas vidas e do ambiente socioeconômico e cultural em que vivemos. Minha família, em especial meu pais, meus irmãos, Fúlvia e Sandro, e meus queridos avós, e a comunidade de Caxias do Sul tiveram um grande impacto na minha visão e perspectiva do mundo, me permitindo acreditar que nenhum objetivo é muito grande para ser alcançado. Mas foi nos Estados Unidos que eu encontrei o ambiente e as ferramentas para meu desenvolvimento profissional e pessoal.
Os Estados Unidos são um país de imigrantes, onde o respeito às liberdades individuais, a celebração da diversidade de perspectivas e o acesso constante a novas tecnologias e capital construíram o palco ideal para o desenvolvimento da indústria, da ciência e da tecnologia. Hoje, acredito que estamos em contínuo processo de reciclagem e mudanças no status quo, e que ambos são oportunidades de aprimoramento dos processos e, fundamentalmente, da qualidade e relevância do nosso produto.
Letteris – Como foi sua chegada à Pfizer? Como você descreve a experiência de atuar em um cargo de gestão de uma empresa importante no contexto da pandemia e no desenvolvimento de vacinas?
Franca – Tenho grande orgulho de fazer parte desta organização e do trabalho realizado pelos nossos colegas na área de vacinas. O resultado é o reflexo de uma cultura de autossuperação na busca de terapias transformativas. Cabe a nós continuarmos este legado de inovação e superação.
Letteris – Quais são os principais desafios que você tem hoje na Pfizer?
Franca – Prefiro pensar em desafios como oportunidades. Não há um dia que passe em que não aprendemos algo novo e geralmente isto está associado à necessidade de sair da nossa zona de conforto. A grande oportunidade hoje é replicar o sucesso do programa em vacinas nas outras áreas terapêuticas.
Letteris – Você é uma das poucas mulheres gaúchas atuando em um cargo de direção de uma farmacêutica multinacional. Como você se enxerga nessa posição?
Franca – Em boa parte, reflexo do trabalho das nossas avós, mães, irmãs e amigas na busca da igualdade de acesso à oportunidades. Parafraseando Ruth Bader Ginsburg, nós mulheres não estamos em busca de favoritismo. A única coisa que pedimos aos nossos colegas é que tirem o pé do nosso pescoço.
Capacidade profissional não está atrelada ao sexo, cor ou credo do indivíduo, e organizações bem-sucedidas e preparadas para os próximos ciclos econômicos entendem isto. Mudanças levam mais tempo do que gostaríamos, mas no final quem não se adapta perece.
Letteris – Qual conselho você poderia dar para as mulheres que almejam percorrer um caminho semelhante ao seu?
Franca – Primeiro, escolher uma profissão que traga imensa realização pessoal. Acredito que gostar do que a gente faz é fundamental, e sucesso é relativo ao observador. Segundo, investir no seu objetivo. Qualificação técnica e interpessoal são diferenciais em qualquer organização. Você tem que estar preparada para o seu próximo passo. Terceiro, perseverança. Minha filosofia é: “Que bom que a vida não é um mar de rosas”. For fim, estar presente no dia de hoje, mas preparada para o dia de amanhã. Grandes conquistas muitas vezes são consequência de aceitarmos novos desafios.