“Qualquer momento é uma oportunidade, inclusive os momentos de crise. E acredito que a nossa capacidade de enxergar essas oportunidades, em qualquer momento, tem muito a ver com o primeiro elemento do sucesso, que é a confiança em si próprio.”
Belas Letras! O nome por si só já é lindo! Agora espere para conhecer a história desta empresa que, embora nascida em Caxias do Sul (RS), é conhecida pelo Brasil e já tem até fama internacional. A Belas Letras tem o propósito de aproximar as pessoas daquilo que elas mais amam, por meio dos livros. E para contar esta história, que começa em 2008, só tem uma pessoa: Gustavo Guertler, o sócio-fundador, “aquele garoto”, diria Cazuza, “que ia mudar o mundo” por meio da literatura.
Gustavo resenha com muito humor estes 13 anos de Belas Letras, literalmente tirando de letra as dificuldades iniciais do negócio. Mas como “quem acredita sempre alcança, (né, Renato Russo?) hoje a Belas Letras orgulhosamente coleciona importantes troféus. Ele mesmo conta melhor toda esta história aqui.
Neste ano de 2021, por exemplo, foi premiada entre as 165 melhores Empresas para se Trabalhar no Brasil com menos de 100 funcionários pelo Great Place to Work, ocupando a 27ª posição na lista nacional. Além disso, é campeã do Prêmio Nacional de Inovação 2019 Sebrae-CNI, na Categoria Marketing. Ainda em 2019, a Belas Letras teve sua campanha “Compre 1 Doe 1” – em que para cada produto vendido outro é doado, mas por meio dos próprios clientes – considerada uma das seis melhores do mundo, tornando-se finalista do Future Book Awards, na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. Também foi tema da série Te Mostra, Rio Grande, da RBS TV, como uma das 12 empresas que inspiram o desenvolvimento regional e geram impacto positivo na sociedade.
Além da matriz em Caxias do Sul, que emprega 10 pessoas, 100% em trabalho remoto, a editora abriu uma filial em Osasco (SP), onde toda a operação é terceirizada. O livro “O Papai é Pop”, do comunicador Marcos Piangers, é o título de maior comercialização da editora até o momento: 500 mil exemplares vendidos, revela Guertler, que concedeu esta entrevista para o site Letteris.
Letteris – É verdade que os brasileiros compraram mais livros na pandemia?
Gustavo Guertler – É verdade sim, e acho que essa é uma informação muito promissora no meio de tantas notícias ruins. De 2019 para 2020 a gente presenciou aqui um grande salto mesmo, em torno de 65% de crescimento de um ano para outro na Belas Letras. E novamente este ano a gente conseguiu fechar o primeiro semestre com crescimento de 28%. Tenho recebido relatórios compartilhados de colegas de outros países que já abriram. Eles indicam que não foi um fenômeno momentâneo; o aumento dos índices de leitura, pelo menos é o que os números mostram, será duradouro, as pessoas consolidaram novos hábitos em suas vidas.
De alguma forma, a pandemia gerou nas pessoas um sentimento muito evidente de reflexão sobre a finitude da vida e, com ele, sobre as coisas que realmente importam para nós. Eu acho que isso vai ter um impacto de longo prazo, especialmente em nações que precisam tanto desse incentivo ainda quanto o Brasil. Já está mais do que provado – inclusive cientificamente – o papel fundamental que a leitura de livros tem na base de desenvolvimento de qualquer civilização. Quem lê livros – e não apenas os científicos, mas de ficção – é mais inteligente, porque absorve 50% a mais de palavras no vocabulário do que quem não lê; o livro nos deixa mais preparados para praticamente todos os desafios que enfrentaremos ao longo da vida e reduz em 32% nosso tempo de declínio mental, de acordo com pesquisas de universidades americanas. Não é só isso. Para você ter uma ideia, nos Estados Unidos o algoritmo que projeta o índice futuro de encarceramento leva em consideração o índice de leitura da população.
Letteris – Qual a sua opinião a respeito da taxação sobre livros?
Gustavo Guertler – Eu tenho impressão de que essa é uma discussão superada já, não acredito que a taxação vá passar. Mas é claro que isso é um grande absurdo, o próprio governo não conseguiu encontrar uma justificativa no mínimo aceitável.
Letteris – Como você avalia o mercado editorial brasileiro?
Gustavo Guertler – É um mercado que era pouco profissionalizado ainda, mas evoluiu muito nos últimos anos, principalmente com a entrada de profissionais novos e, principalmente, gente que não era, digamos, nativa desse mercado e que trouxe para nós muito conhecimento e experiência de outros setores. Os grandes inovadores usam muito uma máxima de Einstein que diz que não é possível resolver um problema usando o mesmo tipo de pensamento que o criou. Por isso que as empresas precisam de ajuda externa, de pessoas que pensam diferente, para conseguir resolver seus problemas, evoluir e crescer.
Letteris – Livro impresso, digital ou audiolivro? Para onde caminha a humanidade?
Gustavo Guertler – Para os três. Estamos vivendo a era da abundância e está ficando claro que os três modelos se aplicam a momentos diferentes. Vou viajar a trabalho? Não faz sentido carregar livros em papel, não posso ficar carregando mala pesada e muito volume, então levo meu celular ou meu leitor de livros digital. De férias na praia? O papel, pelo menos pra mim, é imbatível. Quer ler algo enquanto caminha ou lava a louça de casa? Bom, o audiolivro talvez seja a melhor escolha. Do ponto de vista de aprendizado, o papel por enquanto ainda leva vantagem, porque na leitura digital se absorve em média de 20% a 30% menos do que na leitura em papel, mas talvez isso mude com nossos hábitos ainda.
Letteris – Para você, crise é sinônimo de oportunidade, ou crise é crise?
Gustavo Guertler – Qualquer momento é uma oportunidade, inclusive os momentos de crise. E acredito que a nossa capacidade de enxergar essas oportunidades, em qualquer momento, tem muito a ver com o primeiro elemento do sucesso, que é a confiança em si próprio, no seu próprio valor de tornar possíveis coisas que parecem impossíveis, de entender seu próprio valor como pessoa, como profissional, de perseguir a ideia de que você tem um papel importante no mundo, não importa o que você faz. E de tomar boas decisões na vida, porque mesmo a menor das nossas decisões terá implicações de longo prazo para o resto das nossas vidas, elas podem conduzir a caminhos completamente diferentes. Pode parecer um clichê, mas a vida tem uma magia (aprendi isso em Harry Potter) e cabe a nós criá-la. Oportunidades são momentos mágicos que enxergamos enquanto outros veem apenas rotina.
Letteris – A pandemia forçou a Belas Letras a repensar o seu modelo de negócio, ou não houve impacto?
Gustavo Guertler – Não precisamos repensar, não, apenas fazer melhorias e, principalmente acelerar as coisas. Esse foi um ponto muito positivo. A equipe fez uma reunião para tomar decisões e, bom, descobrimos que basicamente devíamos manter o nosso plano, que era o caminho que todos acreditavam antes, e com a pandemia ele parecia ainda mais claro para nós do que era antes.
Letteris – Quais as metas da Belas Letras para os próximos anos?
Gustavo Guertler – Em um mundo volátil como o nosso, a gente não vê sentido em criar metas para os próximos anos. O que nós temos é um norte, no sentido de entender qual é a essência da empresa, um desenho de cenários futuros, para onde entendemos que o mundo está indo e como nos encaixamos nele. Claro que queremos chegar em algum lugar, mas cada vez mais precisamos ser uma empresa líquida, com capacidade de mudança e adaptação rápida.
Letteris – Como nasceu a ideia e como funciona o projeto “Compre 1 Doe 1”?
Gustavo Guertler – É um projeto que nasceu em 2015, a partir de sugestões das pessoas que trabalhavam na empresa. A gente conheceu uma iniciativa da Warby Parker, que é uma empresa francesa de óculos que para cada peça vendida, ela doava outra. Depois descobrimos que se tratava de uma iniciativa mundial, chamada One for One, uma forma de as empresas devolverem para a sociedade um pouco daquilo que recebiam. E pensamos: “Isso tem tudo a ver conosco.” Aí fizemos testes, fizemos contas, e conseguimos criar esse programa que para cada livro vendido doamos outro. Além dos prêmios que esse programa ganhou, é inacreditável o que um pequeno gesto como esse pode fazer, quando você lê os depoimentos das pessoas impactadas. Nosso desafio agora é escalar esse programa, tornando-o digital.
Eu acredito que ou as empresas vão se transformar em vetores de transformação social, ou elas vão desaparecer aos poucos, porque afinal elas existem para dar lucro, mas está cada vez mais evidente que o consumidor só vai gastar seu dinheiro com aquelas empresas que fazem diferença na sociedade. Não é sobre responsabilidade social, não. É sobre a razão social verdadeira das empresas.
Letteris – Como é o Gustavo Guertler empresário?
Gustavo Guertler – Sabe, eu não me considero um empresário, eu me considero mais um empreendedor, eu sou apaixonado por construir coisas, não por administrá-las. Eu coloco o chapéu do empresário mais por necessidade, essa coisa de precisar administrar, mas tem pessoas na editora com mais vocação para isso do que eu. Minha missão na editora é a de desenvolver o negócio, mas sempre que eu analiso algum projeto, a primeira coisa que sempre procuro responder é: por que nós vamos fazer isso? E depois de responder isso eu me questiono: quanto vamos ganhar com isso? Porque eu acredito que, mesmo em se tratando de uma empresa que precisa ter lucro, se você não coloca em primeiro lugar os motivos pelos quais você vai ganhar dinheiro, você faz a sua empresa perder um pouco da razão de ela existir.
Letteris – Gustavo Guertler por Gustavo Guertler
Gustavo Guertler se define pelo que não é: não é filósofo, não é psicólogo, não é coach, não é palestrante. Também não é guru do marketing, futurista ou influencer. Ele é, como dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade, apenas gente. E como gente tem suas paixões e uma delas é tornar o mundo um lugar mais criativo por meio de uma estranha tecnologia chamada livro. Essa paixão o levou a ser um dos fundadores da editora Belas Letras, e a criar projetos que juntos venderam mais de 1,5 milhão de exemplares, entre eles O Papai é Pop, de Marcos Piangers, e Vai Lá e Faz, do futurista Tiago Mattos. Formado em Comunicação Social pela Universidade de Caxias do Sul, com MBA em Book Publishing pelo Instituto Singularidades, em São Paulo, e o Yale Publishing Course, pela Escola de Negócios da Universidade Yale, nos Estados Unidos.