O turismo nos tempos do coronavírus… o título desta entrevista é uma paródia ao clássico do colombiano Gabriel García Márquez O amor nos tempos do cólera, e servirá para contar a trajetória de uma agência de turismo que tem como propósito fazer com que livros, filmes e a história inspirem nossas viagens e nos cativem a conhecer lugares com uma atmosfera de completa magia, mesmo neste momento em que vivemos uma das piores pandemias já experimentadas pela humanidade. Não existe nada mais humano do que sonhar, e sonhar com viajar consegue ser ainda melhor!
Perto de completar seis anos – em janeiro de 2021 -, a agência Sonhe Mais Viagens nasceu da paixão da empresária Sabrina Antunes por descobrir o mundo, novas culturas e experiências. Ela já trabalhava como funcionária em uma agência de viagens, e visitar lugares diferentes significava muito mais do que apenas passear: “era uma forma de entender o mundo e o nosso lugar nele; uma maneira de entender que somos passageiros neste planeta, e que deveríamos viver como quando viajamos: descobrindo, estando por inteiro em cada momento”, confidencia Sabrina.
Nascida em Galvão, no estado de Santa Catarina, ela conta que desde os 10 anos tinha o sonho de conhecer Veneza e Paris. Por gostar muito de cinema e geografia, sempre teve vontade de não apenas visitar os lugares por meio de filmes e livros, mas de estar lá e ver com seus próprios olhos. “Sentir o cheiro, o vento, o clima, para depois criar minhas próprias memórias”, descreve.
Quando a empresa em que ela trabalhava decidiu mudar de cidade, Sabrina, que vive em Caxias do Sul (RS) desde 2002, viu ali a chance de concretizar o sonho de ter a sua própria agência de viagens. Ela e o marido, o escritor caxiense Uili Bergammín Oz, então se tornaram sócios no empreendimento que levou o sugestivo nome de Sonhe Mais Viagens. “Nós dois gostamos de desafios, de criar projetos, colocar a mão na massa e fazer acontecer. Eu entrei com o conhecimento técnico, e o Uili com a organização financeira e administrativa. A nossa ideia inicial era focar em roteiros culturais, porém a demanda foi tão grande que até hoje não conseguimos”, revela.
Sabrina conta que a maior demanda tem sido o turismo de lazer, ou os sonhos de viagem, como ela define. “Todo mundo tem o sonho de conhecer um lugar. Há alguns dias, eu fiz uma enquete sobre isso e descobri que 98% dos participantes têm um sonho de viagem. Esse acabou sendo o nosso foco, tornar sonhos realidade”, sublinha a empresária, que concedeu esta entrevista ao Blog da Letteris para falar também sobre o setor de turismo na pandemia, cenários e tendências. O turismo nos tempos do coronavírus precisa se reinventar.
Letteris – Quais destinos você já visitou, e o que mais chamou a atenção nesses lugares?
Sabrina – Já tive a oportunidade de visitar vários países da Europa, América do Sul, Caribe e Estados Unidos, além do Brasil, é claro. Tudo me chama a atenção: a comida, as pessoas, o clima, as paisagens. Eu amei cada lugar que já visitei, voltaria mil vezes para o Caribe se pudesse. A leveza e a simpatia das pessoas me chamaram a atenção. Adorei a geografia e as belezas naturais da Patagônia, parece que você está no Canadá.
Letteris – Como a crise impactou o turismo e a Sonhe Mais Viagens? A pandemia mudou muito o hábito do brasileiro de viajar?
Sabrina – A pandemia assustou todo o planeta. Faz 10 anos que eu trabalho com turismo, e nesse mundo globalizado tudo afeta o nosso setor: crises políticas, a oscilação do dólar, conflitos. O nosso setor é extremamente sensível, e é importante estar sempre bem informada. É um tipo de escudo para que possamos nos adiantar, caso precise mudar a rota de algum passageiro, cancelar viagens, enfim. Não nascemos de susto, mas uma coisa é um país estar em conflito, uma companhia aérea falir; outra é o mundo parar. Acredito que nenhum dos meus passageiros e leitores se lembra de ter passado por algo parecido, até porque a última pandemia ocorreu há 100 anos.
Estamos todos partindo do mesmo lugar, experiência zero nesse assunto. Eu já passei por situações muito difíceis em minha vida. Quando começou o pânico da pandemia, paramos e pensamos o seguinte: começamos a Sonhe Mais do zero, saímos do zero, porque nós dois temos origem muito humilde. Sabemos como sair do zero. Então vamos lá, nos reestruturamos de forma a gastar o mínimo em todos os sentidos e partimos para a negociação com fornecedores e clientes.
Nossa venda caiu 95% por três meses, e em julho as coisas começaram a melhorar bem lentamente. O governo foi ágil em criar medidas provisórias para organizar os cancelamentos, pois é uma situação extrema, de fronteiras fechadas e aeronaves impedidas de voar. Eu comparo a crise do coronavírus a um desastre natural: basta passar, ter uma vacina ou cura, que as coisas voltam, as pessoas estão loucas para viajar. Estamos prontos para a retomada.
Letteris – Aumentou a procura por destinos mais econômicos?
Sabrina – Num primeiro momento sim, foram os destinos mais baratos que mobilizaram o início da retomada. Mas com o passar do tempo não foi isso que fez a diferença. Os passageiros têm buscado segurança, então o que tem se destacado são os destinos mais seguros, com protocolos mais eficientes e os que têm levado a sério essa questão.
Letteris – Quais são as tendências de produtos para o setor de turismo?
Sabrina – São os destinos nacionais, sem dúvida. Primeiro porque o dólar está proibitivo, e, neste momento, enquanto as coisas não voltam 100%, existe a sombra de novos fechamentos de fronteiras. Mais de 30 países já abriram para brasileiros, e nós já tivemos embarques internacionais depois da pandemia. Escolhemos países com voo direto do Brasil, aberto e sem exigência de quarentena.
Nossos primeiros clientes no pós-pandemia viajaram em 20 de agosto, e desde então tivemos vários. Todos compraram em agosto e setembro para viajar agora, imediatamente. Isso não é comum, as pessoas em geral se programam com boa antecedência. As pessoas estão ansiosas por sair, e neste momento o nacional é a melhor opção, o que é ótimo, pois assim fomentamos o turismo nacional e ajudamos a nossa economia.
Letteris – As pessoas viajam mais atualmente do que em épocas passadas?
Sabrina – Sim, com certeza. Antigamente era muito caro e muito difícil viajar, as pessoas iam para Europa e ficavam 30 dias, para aproveitar a viagem. Hoje, com mais companhias aéreas no mercado, facilidade de pagamento, se você se organiza, com certeza vai viajar. As viagens ficaram mais curtas, as pessoas não fazem 10 países em uma única viagem, pois sabem que podem voltar.
Letteris – Como você enxerga o mercado de turismo no Brasil?
Sabrina – O mercado reagiu de forma rápida e eficaz para viabilizar a volta dos viajantes. Os hotéis estão com protocolos novos, receptivos locais mudaram sua forma de atender e ampliaram as ofertas, mesmo tendo pouca demanda. As companhias aéreas estão se adaptando. Vivemos um tombo histórico, espero ter sido o maior de todos. Mas no que tange ao turismo brasileiro acho que teremos uma chance maior de atender e atrair o mercado interno.
O Brasil tem atrações maravilhosas, praias lindas, natureza e história. Tem roteiros para todos os gostos e bolsos. Torço muito para o brasileiro valorizar mais o que é nosso, afinal com a pandemia vimos que em momentos de crise cada país fecha sua fronteira e você tem que ficar no seu quadrado. Esse é o nosso lugar, precisamos ir para fora, conhecer, viver e aprender com outros lugares, mas sobretudo para entender que o nosso chão pode ser o melhor do mundo.
O brasileiro tem vergonha do Brasil. Eu trabalhei em loja de confecções por sete anos, e em uma Copa do Mundo recebemos inúmeras camisetas, moletons e artigos com relação ao Brasil. Ficou tudo empacado. As pessoas diziam: “nossa, nem pensar”. Uma coisa que talvez não saibamos diferenciar é a nação da política. Os políticos vão passar, e o que vai ficar está aí há mais de 500 anos: é o nosso País. Ele é mais do que ideais políticos, não é de A ou B. O Brasil é de todos nós. Sabe por que amamos o estilo de vida americano? Porque eles o amam primeiro. E quando o mundo vai nos ver com outros olhos? Quando nós nos vermos primeiro com bons olhos.
Letteris – A compra de pacotes turísticos pela internet aumentou consideravelmente. Como a Sonhe Mais Viagens encara essa situação?
Sabrina – Sabe aquela história: se não pode vencer o adversário, junte-se a ele? A facilidade que a internet trouxe para vida de todos democratizou o acesso às coisas. A internet é sem dúvida responsável pelo crescimento do turismo, e nós atendemos muito pela internet. Creio que 80% de nossas vendas são realizadas via e-mail e WhatsApp. Muitos clientes que atendo há anos eu os vi uma única vez, ou nenhuma. Mas o diferencial que temos é que estamos aqui, com uma sala comercial no centro da cidade (Caxias do Sul-RS). Se o cliente tiver um problema sabe onde nos encontrar, sabe que vai ter uma pessoa para lhe responder. Nessa pandemia vimos o contrário. Quantos e quantos clientes me ligaram desesperados, pedindo ajuda, pois compraram em agências on-line, com as quais não conseguem contato de forma alguma, nem para remarcar nem para saber como vai ficar sua viagem.
Eu comparo essas situações às empresas de telefonia. Quem ficou horas pendurado ao telefone com alguma delas sabe do que estou falando. Imagina isso no meio de uma viagem. No feriado de 7 de setembro houve uma situação inusitada em João Pessoa. Um hotel que é cartão postal da cidade, e que está fechado desde março, está negociando a venda e não há previsão de reabertura. No entanto, muitas pessoas compraram diárias on-line, foram até lá e deram com a porta fechada. O problema não é a internet, é as pessoas comprarem de uma empresa que não está nem aí pra elas, na qual o seu sonho é mais um número. Se os processarem, será só mais um. E o pior é que nem sempre as pessoas pagam menos por isso. Uma agência on-line é como outro concorrente qualquer, pode haver produtos mais baratos, no qual eles tenham acordos melhores, em outros nós teremos acordos mais vantajosos. Tem que pesquisar, mas de preferência fechar negócio onde você conhece, tem confiança. Os meus clientes saem de casa com o meu telefone particular, e eu não tenho intenção de mudar isso.
Para manter o compromisso que temos com o sonho dos nossos clientes não queremos crescer a ponto de atendê-los com robôs. Queremos crescer, sim, temos metas e projeções, mas sem abrir mão do cuidado com cada sonhador.
Letteris – Você acredita que a pandemia vai trazer um novo papel para as agências de viagem?
Sabrina – Sim, certamente, pelo que mencionei acima. Há um mito de que agências físicas são caras. Talvez em alguns casos, vai depender do acordo com cada fornecedor. Mas em geral a pessoa que compra on-line faz todo o serviço da agência e não paga menos por isso. E sem a expertise, a segurança que temos. Nessa pandemia, diante do desespero de muitos clientes on-line buscando nossa ajuda, para mim ficou muito claro a importância de ter uma assistência de qualidade, de escolher bem em quem você vai depositar a sua confiança. Um bom agente de viagem é um consultor, um anjo que está aqui, cuidando para que tudo em suas férias dê certo.
Outro ponto é que não tem almoço de graça. De tempos em tempos aparecem algumas agências on-line ou físicas vendendo ilusões, com preços muito abaixo do mercado. Se te oferecem uma TV que na loja custa R$ 2 mil por um quarto desse valor, você não desconfia? Com viagem o cuidado tem que ser muito maior, pois o produto vai ser entregue lá na frente, às vezes do outro lado do mundo, num país que não fala a sua língua. Não existe almoço de graça. Nós corremos atrás do melhor custo benefício real.
Letteris – O que mudou no mercado de turismo desde a criação da Sonhe Mais Viagens?
Sabrina – Os clientes estão cada vez mais antenados e conectados, sabem o que querem e isso é bom, facilita o nosso trabalho.
Letteris – A Sonhe Mais Viagens busca conciliar turismo e literatura. Com que propósito isto é feito?
Sabrina – Na medida do possível buscamos, sim. Acreditamos que a cultura e a literatura podem otimizar o aproveitamento de uma viagem. Indicamos livros, filmes sobre o destino. Emprestamos ou doamos material de pesquisa sobre locais culturais que a pessoa pode visitar, se tiver interesse. Meu marido inclusive escreveu um livro de crônicas de viagem, “O Desafio dos Sonhos”, além da tradução de Dom Quixote, com um capítulo inteiro sobre a Rota do Quixote, que percorremos lá na Espanha. É uma aula de história, literatura e cultura.
Letteris – Quais os planos da Sonhe Mais Viagens para o futuro?
Sabrina – Temos um projeto fantástico para o ano que vem. Não podemos adiantar ainda, mas vale a pena ficar de olho. Vai ser um enorme salto na nossa trajetória.